domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobre Um Crime Contra a Humanidade

A internet é algo que sempre dá o que falar, afinal, com a possibilidade de qualquer pessoa que tenha acesso à ela veicular videos caseiros, amadores, e se tornar uma febre (seja a nível da comunidade, regional ou até mesmo mundial).

Volta e meia cai nas graças do povo algum video que me faz pensar sobre o quanto somos coniventes com certas coisas que, no discurso, somos contra. Talvez posso falar de o quanto somos hipócritas.

Há um video de uma moça no qual, num bar de uma cidade, beija um ser humano (como ela, embora poucos pensem assim), considerado mendigo e que é usuário do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) dessa cidade.

Não vi o vídeo, nem estou aqui para dizer o que eu acho dele. Não pretendo ver, porque o que me acomete é de tentar não ser conivente com isso, embora todo um movimento social (inclusive entre Universitários da Saúde Mental) tente me “empurrar” para isso.

Me irrita que, até mesmo em algo agressivo como o história do video, no qual um ser humano (sobre efeito de drogas, sejam licitas ou não), “estimulado” por outros que gravaram o vídeo, ABUSA (não tenho medo de usar essa palavra) da dignidade de outro. E é justamente esse outro que ninguém parece se importar.

Alguém me disse: “Ah!Mas ele estava gostando da situação”, afinal, poderia ter complementado, “ainda saiu no lucro por ter beijado alguém”. Ouvi isso da boca de alguém que foi o porta-voz do que o povo pode estar pensando.

Chamo de abuso por considerar um crime contra a humanidade através desse sujeito, que se asujeitou às condições desses outros seres humanos diretamente envolvidos e que “pouco importa”.

Causa “terror” o fato da menina ter sido quase “obrigada” (os “amigos” ficavam manifestando palavras de apoio e desafio) a “agarrar” e beijar alguém que, para a nossa sociedade, não passa de um lixo social, não possui dignidade e nem pode sofrer com o que aconteceu. Sempre vemos só o que queremos ver.

E eu pergunto, inclusive às pessoas que tratam e/ou irão tratar seres humanos em condições semelhantes a desse homem-nada (nada de sexualidade, pode ser violado discaradamente em seu corpo, afinal, não é nada): vocês se dão conta de que estão alimentando a desigualdade, a falta de respeito pelo ser humano e por si próprios, cometendo um crime contra os portadores de sofrimento psíquico (e todos os ideais de justiça e harmonia que foram elencados à base de muito sangue), contra os “indigentes”, enfim, contra os “tipos” de pessoas que esse sujeito representa para a sociedade?

É irritante como estamos imersos em informações, mas não somos capazes de criticar fundamentalmente as mesmas, de olhar para os nossos atos, pensamentos, e perceber que estamos patinando na ignorância!

Também me deixa cansado. Voltei para casa com a sensação de estar sozinho. Sei que não. Que resta pessoas que sabem o que é serem respeitados e por isso também respeitam aos outros.

Mas me desanima a percepção de que, como na areia movediça, quanto mais nos movemos para buscar um mundo melhor para todos (se é que é possível agradar à todas as singularidades), mais parecemos afundar para dentro de um processo de retrocesso à um tempo em que a vida (nossa e dos outros) de nada valiam.

Pintura: Portinari, com o título "Criança Morta"

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O mundo sem nós....

"A morte pertence à vida, como pertence o nascimento.
O caminho tanto está em levantar o pé como em pousá-lo no chão" Tagaro

Esse é um trecho que inicia um dos capítulos de "Sobre a Morte e o Morrer" de Kubler-Ross.
Lendo o livro pela primeira vez, me passou desapercebido. Agora parece a passagem citada mais significativa. Vou dizer por quê.

Porque sabemos que nascemos, sabemos que morreremos. Nada disso é novidade. Mas passa a ser estranho, bizarro até, quando pensamos que tanto o nascimento como a nossa morte (isso mesmo, a minha, a sua, e de todo o ser vivo deste planeta) andam lado à lado, numa constante fusão.

A biologia humana prova isso, na medida que as céllas "se destróem" para produzir uma parte do corpo, lá no útero, ou quando a "trocamos" por novas células todos os dias.

Nossa mente não aceita a certeza de que deixaremos de existir.

Viorst em "Perdas Necessárias" conta que, quando criança, costumava pensar em como o mundo continuaria sem ela. Não apenas para a criança pequena pode parecer impossível isso, mas para nós mesmos, adolescentes, adultos, idosos, de qualquer etnia da nossa sociedade ocidental (e boa parte da oriental também).

Não concebemos a nossa morte, o fim da nossa existência, tampouco de que podemos, a qualquer momento, deixar este mundo e que ele (pasmem!) irá continuar sem nós, de uma forma ou de outra. Até mesmo aqueles que amamos e que julgamos nos terem como centro de suas vidas, seguirão, na maioria dos casos, em frente.

"A vida continua", dizemos. A morte também...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Da Brutalidade Humana

Muito se questiona sobre o “mundo”, de que ele está “perdido”, de que a maldade “tem tomado conta”, quando acontece algum assassinato, especialmente aqueles mais violentos.

Pergunta-se sobre o valor da vida e indigna-se com a impunidade e problemas do mundo.

A “natureza” humana é questionada: somos bons ou maus? Paulo Coelho, no seu “O demônio e a Senhorita Prym” faz essa mesma pergunta. No enredo, que se passa num vilarejo pobre e isolado, um homem, desolado com o assassinato de sua família, resolve “testar” a natureza humana.

Ele afirma à pequena população de que enterrou nos arredores 10 barras de ouro e que, eles têm de decidir, num determinado período de tempo, sacrificar alguém da aldeia, em troca da informação da localização das tais barras.

Fica então, aqui, a questão de se o “bem comum” de todos é justificativa pela literal morte de alguém. Começam a postular a ideia de “sacrificar” uma velha senhora, estereotipada como a “louca” da comunidade.

O ato violento, sem fins de alimentação e sobrevivência é humano. Se falamos que um assassinato é desumano (a-humano, ou seja, não-humano), estamos caindo num grande equívoco. Ele é, fundamentalmente, um ato humano. Vide as guerras em busca de dominação e aumento de poder.

Não creio que haja um natureza humana, por si só, algo inato. Até mesmo nossos “instintos”, se acreditarmos nas descobertas da ciência, são reflexos de nossos antepassados, de experiências que nos constituiram.

A sociedade é uma prova cabal disso. Muitas foram as sociedades tão distintas da nossa que, cedo ou tarde, sucumbiram exterminando-se justamente em guerras, apoiadas em ideologias de poucos que acabam se tornando a de muitos.


Se um homem assassina outro, viola seu corpo e o direito à vida tão somente está fortalecendo essa capacidade de acabar com a existência de sua própria espécie (e a sua própria, individualmente), para alcançar objetivos que partem, sempre, de motivações egoístas.

Aqui a seleção natural proposta por Charles Darwin há um bom tempo, não se aplica, ou, se olharmos de outro ângulo, aplica-se porém de forma perversa. Isso porque muitas foram as ideologias que acreditaram que a guerra e/ou extermínio dos fracos só fariam surgir “bons humanos”, seres evoluídos. Tal foi a concepção de Hitler e de toda uma parte do globo.

Entretanto, com a guerra estamos exterminando aqueles que somos nós mesmos, em busca de algo que não sabemos existir. Somos frutos da evolução, mas matar a nós mesmos na ânsia por algo diferente do que somos não me parece nada mais que uma estupidez, afinal, não são os genes que nos fizeram o que somos, mas sim toda uma organização da humanidade.

Chama a brutalidade de algo humano e, antes de mais nada, uma observação e alerta. Não se trata de julgamento ou de justificar tais atos.

Saber do que somente nós somos capazes nos permite, em tese, prepararmos e proteger-nos de nós mesmos.

As gerações que estão e estarão aqui neste novo milênio têm a responsabilidade pelo destino de nossa espécie e das demais. Cabe a nós aceitarmo essa responsabilidade e fazermos dos homens do século XXI menos extintores de vida e maiores potencializadores dela, na medida em que já é passada a hora de melhorar, ascender à um novo nível existencial.

Com isso, não acredito que a violência e a brutalidade deixarão de existir, afinal, é uma manifestação humana (desagradável para a vítima, com certeza), mas acredito naquilo que Nietzsche dizia sobre a transvalorização de valores, ou seja, destruir velhas e construir novas formas de vida, de valores que possibilitem o ser humano se superar, tornar-se o além-homem, além-animal.

Até que os povos do mundo busquem isso, temos que ir lidando com nós mesmos, nossa agressividade e brutalidade, que é sua forma mais extrema e cruel, pois condena famílias inteiras à desgraça, que pode, afinal, também resignificar melhor o sentido de família, já que a morte e a violência tem a capacidade de construir, não apenas destruir.

Pintura de Nelson Magalhães Filho

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Morte no espelho

Imaginem a cena em que, a cada manhã, um homem acorda da sua noite de sono, posta-se diante de um espelho e percebe que o que esta vendo refletido é, antes e acima de tudo, um si-mesmo para a morte. A morte disfarçada naquele rosto de carne, osso, sangue, talvez não tão mais familiar.

Talvez esse homem tenha percebido que a morte está em todo lugar, para todos, que a foice corta o ar e ceifa a vida. Que pense que ela nucna chegará antes da hora certa, de que há muitos anos a serem vividos (sobrevividos?!) e experiências para serem experienciadas. Ou, ainda, veja um rosto/corpo que envelhece, perde encantos e adquire outros (que aos superficiais olhos não existem).

Quem sabe, se tiver sorte, vai ver a própria morte abraçada com a vida, dançando em cada célula de seu corpo e, conclua (e sinta) que ambas são uma só e que, afinal, é ele mesmo.

A morte então não seria algo em si mesmo, vinda de fora da nossa existência e causadora do efeito de inércia, de paralisia do corpo. A morte está nele, é ele próprio.

Lembro aqui de Heiddeger que diz que assim que nascemos, estamos prontos ou aptos à morrer. O homem que se postou ao espelho também, esse homem que somos nós.

Esperamos a morte vir, mas ela já está aqui desde sempre, ela veio com a vida, sua amante na eternidade.

Pintura "Morte e Vida" de Gustav Klimt, D.R.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sobre a Morte e o Morrer

Pequeno texto do excelente Rubem Alves. Vale a pena conferir.


O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?



Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.


Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.

O Que Criamos Com a Ciência

Hoje, embora começa-se a discutir sua validade criticamente, as pessoas com pouco acesso à ela ainda esperam que nos dê curas milagrosas, a panacéia (remédio para todos os males da vida), bem como os “fanáticos” (cientistas céticos e que resumem sua vida nesse fazer) que agora não são religiosos, mas “científicos”
Se Nietzsche pudesse ressurgir hoje, poderia comprovar sua idéia da morte de Deus, e ver que a Ciência nos trouxe para um mundo de dependência dela, pois as tecnologias que ela desenvolve acabam por nos tornar como crianças sem a mãe por perto quando não temos acesso a elas, ou quando esse acesso nos é tomado. Pensamos que existe um Deus, talvez um pouco diferente daquele da época de Nietzsche, mas isso não nos liberta dessa dependência, embora possa “afrouxar” em algumas pessoas a crença cega na Ciência.



Hoje, embora começa-se a discutir sua validade criticamente, as pessoas com pouco acesso à ela ainda esperam que nos dê curas milagrosas, a panacéia (remédio para todos os males da vida), bem como os “fanáticos” (cientistas céticos e que resumem sua vida nesse fazer) que agora não são religiosos, mas “científicos”
Se Nietzsche pudesse ressurgir hoje, poderia comprovar sua idéia da morte de Deus, e ver que a Ciência nos trouxe para um mundo de dependência dela, pois as tecnologias que ela desenvolve acabam por nos tornar como crianças sem a mãe por perto quando não temos acesso a elas, ou quando esse acesso nos é tomado. Pensamos que existe um Deus, talvez um pouco diferente daquele da época de Nietzsche, mas isso não nos liberta dessa dependência, embora possa “afrouxar” em algumas pessoas a crença cega na Ciência.

Liberdade como Ilusão

É interessante como ainda hoje há a ideologia (entendida como conjunto de normas que conduzem nossas idéias, comportamentos, etc) de que somos seres livres. Mas o que é ser livre? Creio que não há resposta a essa pergunta que, por mais simples que possa ser (pois, afinal, você poderia responder que ser livre é não ser preso) não pode jamais ser respondida sem ser definido o que essa palavra significa.


Assim, ser livre seria poder andar, ir e vir como preconiza os direitos humanos universais? Seria escolher os rumos da nossa vida independente do meio ambiente, do social, enfim, das relações com as demais pessoas? Seria questionar o que é “liberdade” e chegar à conclusão de que não somos “livres”?

Perguntas e Respostas (Participando de Pesquisa)

Um dia desses recebi um email da graduanda de Comunicação da Universidade Federal Fluminense Lorena Piñeiro. Ela passou a se interessar por Tanatologia, segundo ela, ao fazer um trabalho para um disciplina, se interessando ao ponto de realizar a sua "pesquisa sobre as diferentes perspectivas da morte na sociedade atual. Pretendo direcionar o foco para os profissionais que lidam com a idéia da morte diariamente, comotanatólogos, agentes funerários, coveiros etc", como escreveu no email.

Ela descubriu numa comunidade do orkut a minha pesquisa, "A Frágil Arte da Existência", e entrou em contato. Isso para provar que há interessados no assunto em muitos lugares e áreas distinta.

Pedi permissão para ela para colocar aqui suas perguntas e minhas respostas.


1 - Devido ao tabu que envolve a questão, muitas vezes, osprofissionais que trabalham com assuntos relacionados à morte tendem aser estigmatizados, como se a "idéia do morrer" fosse incorporada àsua imagem? Quando você decidiu se dedicar a esse estudo?

Trabalhar especificamente em situações onde a morte é muito presente, ou se interessar bastante pelo tema com certeza estigmatiza tanto os estudiosos reconhecidos quanto graduandos, como é o meu caso. Na minha Universidade, para ter uma idéia, meu nome já é associado ao tema, por ser o graduando que mais se interessa pelo tema, tendo uma pesquisa na área já, sendo coordenador de um grupo de estudo sobre o tema.
A morte é um tabu com toda a certeza, embora ela faça parte da vida e a todo momento estejamos “vendo-a”. Muitas pessoas nos olham como se fôssemos mórbidos, ou desejássemos morrer ou ainda como pessoas depressivas, tristes, enfim, tudo o que podemos associar è morte.
Na verdade, meu interesse sempre foi por temas esquecidos, por assim dizer. Então, desde a adolescência me interessei por coisas ditas “negras”, seja em música, seja em entreternimento. Durante o curso de Psicologia, pude perceber que realmente a morte é algo que deve merecer a atenção, tendo sempre em mente que pensar a morte é pensar a vida.

2 - Os estudantes da área de saúde são devidamente preparados paraenfrentar as questões da morte?

Embora a literatura diga que não, posso falar da minha área que é a Psicologia. Com certeza não temos um preparo técnico para tal. Tanto que acredito que apenas o curso da USP tenha a disciplina Psicologia a Morte, mas lá eles têm um grupo bem forte. Acho que para além de um preparo técnico, há um preparo humano, que se dá na família e na sociedade. Assim, se a sociedade não sabe lidar com as questões da morte, é difícil uma pessoa conseguir fazer isso. Esse movimento de pensar a morte vem como resistência à isso. Acredito que deveriam ser estimuladas mais reflexões acerca do tema, pois como ajudar alguém (dentro de cada área específica) se não conseguimos lidar com nossos anseios?

3 - Os cinco estágios comportamentais descritos pela doutoraKubler-Ross que seguiriam a descoberta de uma doença incurável, porexemplo, se manifestam de que maneira nos pacientes? E como osmédicos, psicólogos, tanatólogos trabalham para superar essas etapas?
Primeiro, gostaria de dizer que esses s]ao estágios muito questionáveis hoje em dia, e não tenho experiência pessoal com pessoas em situações de morte iminente. Acredito que para qualquer pessoa se defrontar diante da certeza da morte é algo que no mínimo mobiliza muitas coisas, como tristeza, raiva, desesperança, desilusão, etc., que são característcias dos estágios que Kubler-Ross vem pensar. Não acredito que devamos nos centrar em categorias como essas, pois temos na frente um ser humano, e acho que a leitura de Kubler-Ross serve mais para isso do que para identificarmos esses estágios. Além disso, não creio que a superação dos estágios (se é que existem) seja o objetivo, ou pelo menos deveriam ser, das pessoas que trabalham com a morte em hospitais, por exemplo.

4 - Como a atitude diante da morte mudou através dos tempos? Por que amorte vem desaparecendo do discurso nos meios familiares decomunicação?Há um historiador, Philipe Áries, que fez um estudo exaustivo sobre a morte ao longo dos tempos. Para não me estender aqui, pode-se dizer que a morte passou de algo que era vivido como natural e em família (com o moribundo morrendo em casa, em meio aos filhos, amigos e vizinhos), um evento aceito e vivido sem vergonha (às vezes até com glória), para uma época onde a morte é invertida (como diz esse autor), onde ela é escondida dos olhos das pessoas (salas esterilizadas, isoladas das demais, onde só o médico entra), onde é vista como vergonhosa pela equipe de saúde, pois significa fracasso do trabalho, as pessoas são isoladas, tornam-se números e patologias, perdendo sua identidade. A morte não é mais encarada com dignidade, mas temor.

5 - Por último, qual é a influência da mídia sobre a percepção damorte que temos hoje?A mídia tem grande responsabilidade por essa forma de ver a morte, pois ela banaliza a morte, a mostra como algo ruim (assassinatos, suicídios), e não como alívio de anos de sofrimento ou como um processo natural. Além disso, ela trabalha com interesses capitalistas, então supersensacionaliza coisas como o assassinato de uma criança específica, sendo que isso ocorre em todos os lugares, “demonizando” a morte e colocando-a como algo que pode ser e deve ser evitada.

Pensando a(na) Mortalidade Humana


O que nos cabe ao pensar sobre a vida? Pensar sobre a morte é pensar sobre ela. Não é um movimento mórbido, ou macabro. Pelo contrário, é um movimentar-se sobre a existência, pensarmos a nós mesmos a partir dessa inevitabilidade que é a finitud ehumana.


Ernest Becker já percebeu como a nossa sociedade contemporânea se organizou para fugir da morte, negar a consciência de que não somos eternos, ou que somos "Deuses", como ele traz em suas belas palavras. Veio mostrar que tomamos um rumo onde não nos vemos mais como seres animais possíveis de morrer à qualquer instante, o que tentei passar com a pesquisa "A Frágil Arte da Existência", pois a vida é frágil, a qualquer momento qualquer coisa pode acontecer, e não podemos prever ou evitar isso. Por mais que rodeamos a morte, chega um ponto onde ficamos tontos e confusos...
Acima o quadro "Tudo é Vaidade" por C. Allan Gilbert. Essa obra reflete o quão frágil somos perante algo que tentamos dominar, esconder, negar, que é a mortalidade humana...

Parágrafo que diz mais que toda uma vida...

O que está escrito abaixo não foi feito por mim. Invejo Ernest Becker, por ter sido genial ao olhar o homem como o fez. Ele se deixou enterrar num campo doloroso, olhar para si mesmo como animal é perturbador...

“Não queremos admitir que somos fundamentalmente desonestos no que se refere à realidade, que não controlamos realmente nossas próprias vidas. Não queremos admitir que não ficamos sozinhos, que sempre nos apoiamos em algo que nos transcende, um certo tipo de sistemas de idéias e poderes no qual estamos mergulhados e que nos sustenta. Esse poder nem sempre é óbvio: não precisa ser um deus ou uma pessoa mais forte, mas pode ser o poder de uma atividade que exija plena dedicação, uma paixão, a dedicação a um jogo, um modo de vida que, como uma teia confortável, mantêm a pessoa apoiada e ignorante a respeito de si próprio e ao fato de que ela não se apóia em seu próprio centro. Todos nós somos levados a sobreviver de uma maneira desinteressada, ignorando quais as energias que realmente consumimos e que tipo de motivo criamos a fim de vivermos segura e serenamente” (Ernest Becker, em "A Negação da Morte").

Lugar de Pertença

Este é meu lugar. Se de pertença, não sei.

Porque pra mim pertença é só aquilo que tratamos como objeto, como algo qual possamos pôr as mãos e dizer: "Isto é meu!".

E o que é este espaço virtual? Minhas mãos estão nos teclados, mas o que aqui acaba surgindo está na mente, e pode modificar-se agora, ou daqui há pouco. eu poderia simplesmente apagar isto, por não gostar, por gostar demais...

É aqui que posso fixar algumas coisas, que talvez mentalmente se percam...a gente nunca sabe o que nos espera (embora gostamos de pensar que sabemos).

Primeiro sentido de estar aqui, investino luz elétrica (dinheiro) e desejo...