domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobre Um Crime Contra a Humanidade

A internet é algo que sempre dá o que falar, afinal, com a possibilidade de qualquer pessoa que tenha acesso à ela veicular videos caseiros, amadores, e se tornar uma febre (seja a nível da comunidade, regional ou até mesmo mundial).

Volta e meia cai nas graças do povo algum video que me faz pensar sobre o quanto somos coniventes com certas coisas que, no discurso, somos contra. Talvez posso falar de o quanto somos hipócritas.

Há um video de uma moça no qual, num bar de uma cidade, beija um ser humano (como ela, embora poucos pensem assim), considerado mendigo e que é usuário do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) dessa cidade.

Não vi o vídeo, nem estou aqui para dizer o que eu acho dele. Não pretendo ver, porque o que me acomete é de tentar não ser conivente com isso, embora todo um movimento social (inclusive entre Universitários da Saúde Mental) tente me “empurrar” para isso.

Me irrita que, até mesmo em algo agressivo como o história do video, no qual um ser humano (sobre efeito de drogas, sejam licitas ou não), “estimulado” por outros que gravaram o vídeo, ABUSA (não tenho medo de usar essa palavra) da dignidade de outro. E é justamente esse outro que ninguém parece se importar.

Alguém me disse: “Ah!Mas ele estava gostando da situação”, afinal, poderia ter complementado, “ainda saiu no lucro por ter beijado alguém”. Ouvi isso da boca de alguém que foi o porta-voz do que o povo pode estar pensando.

Chamo de abuso por considerar um crime contra a humanidade através desse sujeito, que se asujeitou às condições desses outros seres humanos diretamente envolvidos e que “pouco importa”.

Causa “terror” o fato da menina ter sido quase “obrigada” (os “amigos” ficavam manifestando palavras de apoio e desafio) a “agarrar” e beijar alguém que, para a nossa sociedade, não passa de um lixo social, não possui dignidade e nem pode sofrer com o que aconteceu. Sempre vemos só o que queremos ver.

E eu pergunto, inclusive às pessoas que tratam e/ou irão tratar seres humanos em condições semelhantes a desse homem-nada (nada de sexualidade, pode ser violado discaradamente em seu corpo, afinal, não é nada): vocês se dão conta de que estão alimentando a desigualdade, a falta de respeito pelo ser humano e por si próprios, cometendo um crime contra os portadores de sofrimento psíquico (e todos os ideais de justiça e harmonia que foram elencados à base de muito sangue), contra os “indigentes”, enfim, contra os “tipos” de pessoas que esse sujeito representa para a sociedade?

É irritante como estamos imersos em informações, mas não somos capazes de criticar fundamentalmente as mesmas, de olhar para os nossos atos, pensamentos, e perceber que estamos patinando na ignorância!

Também me deixa cansado. Voltei para casa com a sensação de estar sozinho. Sei que não. Que resta pessoas que sabem o que é serem respeitados e por isso também respeitam aos outros.

Mas me desanima a percepção de que, como na areia movediça, quanto mais nos movemos para buscar um mundo melhor para todos (se é que é possível agradar à todas as singularidades), mais parecemos afundar para dentro de um processo de retrocesso à um tempo em que a vida (nossa e dos outros) de nada valiam.

Pintura: Portinari, com o título "Criança Morta"