sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O Suicídio Multifatorial




Filhos da lógica de causa e efeito, nos acostumamos a pensar todo e qualquer fenômeno como decorrente de uma causa, uma origem que levou as circunstâncias até o derradeiro acontecimento.

Em relação ao suicídio, não ficamos livres dessa lógica. Temática polêmica, quando se fala em pessoas que se matam, um frio percorre nossas espinhas e, não raro, temos reação de pedir para mudar de assunto, “deixe de falar bobagem”, e quem sabe três batidas na mesa.

O que se tornou um tabu, hoje inegável e a cada ano mais respeitado e debatido, é a morte. Pensar na morte, que de cara é um dos primeiros e singulares pensamentos humano, tornou-se algo do nível macabro, mórbido, longe de fazer qualquer sentido.

Schopenhauer, bastante tardio se pensarmos a história da Filosofia, afirma logo de inicio em seu livro “As dores do mundo” que a morte é a musa da filosofia e sem ela não se teria começado a filosofar. Aristóteles disse algo assim, milhares de anos antes, quando anuncia que a Filosofia da morte é a Filosofia da vida. Talvez mais que qualquer dos dois, Epicuro e Sêneca colocaram suas mentes a pensar a morte, o segundo inclusive tendo cometido suicídio.

Tirar a própria vida. Algo que inimaginável em vermos noutros seres vivos, talvez sejam uma das poucas coisas que nos fazem seres humanos, já que os animais, dentro de seu limite, também amam, odeiam, ficam tristes e alegres, enfim, demonstram emoções (Darwin que o diga, vide seu livro “As Emoções em Homens e Animais”).

Vindo do latim, a palavra suicídio remonta aos termos “sui” (si mesmo) e “caederes” (ação de matar), sendo de consenso que Desfontaines em 1737 fora o primeiro a cunhar o tema, e talvez não haja outra palavra que mais mobilize as pessoas.

Nossa relação com a morte atualmente é tão estranha em relação à outros períodos da Humanidade, que fica difícil falar em suicídio abertamente, como algo possível da vida humana e, até onde se acredita, presente apenas no Homem.

Se o século XIX teve como principal tabu a sexualidade (e como movimento de resistência nasceu a Psicanálise, disciplina que fora importantíssima para chegarmos ao ponto da sexualidade contemporânea), o século XX, especialmente a partir dos grandes avanços tecnológicos na área da saúde, elegeu a morte como tabu.

Philippe Àries fora um dos grandes responsáveis em provar que nem sempre a morte fora medonha e escondida como hoje, num período em que a morte é invertida e selvagem, mas que em cada uma das principais culturas e períodos, o homem tivera uma relação distinta e única.

Hoje se morre nos hospitais, quando não se morre antes de chegar a ele em acidentes ou decorrente de violências nas ruas. Morre-se sozinho. Obviamente, a morte é algo que não permite ensaio, e vista como um processo, ela começa a “acontecer” desde que nascemos, como bem apontou Heiddeger.

Nascer e morrer não permite ensaios. Que os Espíritas me desculpem, não estou afirmando ou negando sua doutrina, mas a verdade é que, nessa vida que vivemos e na qual temos consciência, é uma e não nos deixam nascer mais de uma vez, e morrer se torna um ato único.

Talvez seja isso que o suicídio represente. O ato máximo do fim da vida, daquela vida individual. Quem sabe, para o suicida, sua vida tenha transcorrido outro caminho não desejado (inesperado), que a morte, o ato de se enforcar ou se dar um tiro (acredito que o método usado fala um pouco da pessoa), seja de ensaio, como se dissesse: “Eis me aqui. Nasci, sem decidir se sim ou não gostaria de vir ao mundo. Cheguei e fiz dele meu ensaio. Vejo que estou na peça errada, meu figurino não combina, me resta sair de cena e voltar para o final da fila”.

Obviamente que as cartas foram dadas e a morte não tem como lhe devolver seus Àses.

Texto: Eduardo Cadore (Direitos reservados)

Pintura: Paula Rego

domingo, 18 de abril de 2010

Ensaio: Além do Bem e do Mal: Circulando ideias em volta de “Crime e Castigo” de Dostoiévski

Foi-me oferecido a oportunidade de ler um dos maiores clássicos da literatura russa e mundial, saída da mente admirável e febril de Fiodor Dostoiévski. Falo de “Crime e Castigo”, em 1866, que mesmo escrito há mais de 150 anos e numa outra cultura, nos mobiliza e faz pensar sobre a sociedade, o Homem e o Estado.

Como forma de constextualizar, apresento (com a permissão suposta do autor) a personagem Raskólnikov, jovem rapaz de 23 anos, ex-estudante de Direito (deixa a universidade por não poder pagá-la), sobrevivendo com os poucos trocados que lhe restam num cubículo da periferia de São Petersburgo.

Ambientado em condições de miséria e total descasso (seja em termos de saúde pública, seja culturalmente), sobrevivendo dia após dia, prevendo apenas a piora de sua situação social.

Sentia-se injustiçado por ser muito inteligente e viver como um rato ou qualquer vagabundo. Vestia-se de tal forma que, ao sair às ruas, sentia-se dessa forma, com os transeuntes repugnando-se ao vê-lo passar.

Na sua família, possuia apenas mãe e irmã, que moravam longe de sua cidade e que o amavam e lhe tinham em alta consideração.

Recebe uma carta de sua mãe, que costumava lhe ajudar com alguns rublos (moeda russa), mas que estava em tão grande dificuldade que até a irmã de Raskólhnikov, dúnia, estava “se dando” à um casamento para sobreviver.

Isso enraivece a personagem central da obra que, diante de todas essas circunstâncias passa a pensar em roubar o que pudesse de uma velha com quem penhorara objetos de grande valor para ele mas que recebera ninharia em troca.

Ninguém gostava dessa mulher, nem mesmo sua irmã que, dependente dela para comer, era maltratada e humilhada pela mesma.

Com astúcia mental, o jovem decide que, além de roubá-la, vai matá-la por se tratar de um verme que não fará falta ao mundo, pelo contrário, sua morte traria sossego à irmã e seu dinheiro permitirá à Raskólhnikov voltar à estudar e ajudar sua família, salvando-a da inanição e vergonha.

Sua perspectiva não lhe permitia ver isso como um crime e o que apenas o fez hesitar até certo momento foi o temor de ser preso. Porém, conclui que não cometerá erros e não irá preso, pois “nem a sua razão nem a sua vontade o abandonariam durante toda a execução do seu plano, unicamente pela razão de que aquilo que se propunha a fazer não era um crime” (p. 85).

Sem culpa, assassina a mulher como planejou (utilizando de uma machadinha sem ser visto por ninguém) mas acaba tendo de matar a irmã da mesma pois ela chegou logo após o ato consumado.

Desespera-se. Comete dois assassinatos e a situação foge de seu controle, justo ao dele que sentia-se seguro e dono de suas faculdades mentais.

Toma a primeira morte como o caminho para ajudar muitas pessoas e a segunda como uma fatalidade, um triste acidente, mas que não o abala tanto. Traz junto de si toda a frieza da razão.

Sabemos que o crime fala de uma investida, um ataque contra a vida. Para ele, parecia mais uma contravenção, algo contra as normas sociais.

Embora haja outras personagens interessantes, limitarei à de Raskólhnikov para pensar e refletir sobre a sua ideia de homem e crime.

A personagem (que na obra é autor de um artigo sobre o que relatarei a seguir) divide os homens da nossa sociedade em dois tipos distintos: os vulgares e os extraordinários.

O vulgares seriam aqueles presos à matéria, ao concreto, isto é, Às leis e moral vigente, ao que é tradicional e velho, negando a inovação.

Por outrom lado, os extraordinários se aporiam a estes na medida que seriam aqueles cujo o novo, o iminente, lhes agrada e de fato são os que produzem revoluções sociais, levando o bem à humanidade.

Eles englobariam os grandes nomes como Napoleão, que matava os que iam contra essa lógica, trazendo benefícios à humanidade que justificariam a morte de outros. Trata-se de uma ideia de sacrifício, de mártir.

O título deste escrito remete à essa ideia da personagem de que é possível um ser humano além do bem e do mal, com uma ética e moral a parte da corrente, homogenea. Segundo Raskólnikov, os motivos que levariam uma pessoa do tipo extraordinário a até mesmo matar (como ele mesmo fizera) outro ser humano seriam “altruístas”, em outras palavras, cometeriam um ato condenável pelo estado em prol de um bem maior, para mais pessoas, para a humanidade.

Seria esse o protótipo de um além-homem, proposto sistematicamente (e até quase fanaticamente) por Nietzsche em suas obras? Me peguei nessa indagação ao conversar com um amigo que aprecia o filósofo e dostoiévski.

Nietzsche propõe um novo ser humano (erroneamente traduzido literalmente como Super-Homem) que não seria mediado pela moral entre suas aspirações (“Torna-te quem tu és” diz o filósofo), desejos, ânsias e o que é necessário para satisfazê-los.

Para isso, continua Nietzsche, a espécie humana deveria matar seus ídolos, especialmente os religiosos, para com isso poderem transvalorar todos os valores daí oriundos, isto é, destruir os antigoss (que se atualizam no presente) que são os valores limitadores metafísicos e construir novos a parir dos espíritos-livres, pessoas que se aproximariam dos extraordinários proposto pelo autor russo atrvés de Raskólhnikov.

Seria possível continuar nessa associação, porém, cabe aqui pensarmos, até onde nos é possível, como seria essa sociedade em que o homem do tipo vulgar (preso à moral) deixaria de ser a aioria dominante para tornar-se dominado pelos extraordinários. Raskólhnikov salienta que não é possível existir apenas um de um tipo desses homens, bem como só é possível o surgimento de um ser extraordinário entre milhares.

Parece-noss que essa “sociedade de extraordinários” seria diferente das demais pela falta de sentimento/pensamento da culpa, afinal, se o que importa são os objetivos em prol de uma suposta maioria em detrimento de uma minoria, não se comete crime, ou maldade pura e simplesmente.

A maldade não seria, pois, os motivos de um ato como o assassinato não seria totalmente egoísta mas um tipo de “sacrifício” justificado e legitimado pela consciência do assassino “voltamos a isto depois). Muito menos seria considerado crime, pela mesma justificativa anterior.

O que verdadeiramente importa, nessa lógica, é a consciência do ator social, do cidadão. Raskólhnikov aponta que mesmo que o Estado não aceitasse tal homem extraordinário, este deveria apenas “ouvirs sua consciência”, a razão e a lógica científica. A culpa ficaria para os vulgares, pois estes sim deixaram-se internalizar as noções e bem e mal, certo e errado, dessa forma tendo-os como noções tão naturais que perderam o caráter conceitual, para tornarem-se parte desses seres e tornarem-se indiscutíveis.

Raskólhnikov não sente culpa em momento algum da obra. Teme, é evrdade, ser descoberto e privado de sua liberdade.

Porém, se a razão não lhe abandona e se faz presente para justificar o duplo homicídio, é o “coração”, o emocional que lhe trai.

Desde o assassinato passa a sentir-se mal fisicamente (febres, desmaios, fadiga), com certeza sintomas relacionados a uma não aceitação inconsciente do ato. Poderíamos pensar que mesmo que seu discurso (consciência) perda para a não sentir culpa, seu copro e mente delirante manifesta o forte choque insconsciente com seu superego rigoroso.

Mas deixando de lado essa visão psicanalítica, seria possível um mundo raskolhnikoviano? Poderíamos nos organizar de um modo mais satsifatório à todos se legitimássemos atos atualmente criminosos como, no máximo, contravenção?

Acredito que não, afinal, a noção de Justiça de justiça humana parte da ideia de que a vida esta acima de tudo e de todos. Se quizéssemos uma “sociedade extraordinária”, teríamos que desenvolver e aceitar uma noção outra de vida o que, ao meu ver, é impossível tão logo, por ser complexa demais (talvez até mais do que a noção de morte).

Raskólhnikov alega que as grandes conquistas da humanidade foram possíveis pelo derramamento de sangue dos opositores e dos que lutavam à favor. Nota-se que aidna há numa parcela de pessoas essa certeza de que o sofrimeto leva à redenção, ao progresso. Dizem: “A medicina avançou muito após a Segunda Guerra Mundial”, como se tal avanço científico justificassse uma ideologia nazista que testava suas hipóteses em seres vivos judeus, ciganos, negros, portaddores de sofrimento psiquico, etc., como no Holocausto.

Não podemos assegurar que, caso tivéssemos parado de guerrear na Primeira, não teríamos uma medicina, por exemplo, como a contemporânea.

Da mesma forma, como dizer que a humanidade se elevaria se todo massacre de alguns beneficiasse aos demais? Sendo que, o que acontece, é o massacre de muitos em beneficio de alguns.

Trata-se de uma visão simplista do que é considerado bem comum e bem privado, pois aqui não há perspectiva, isto é, um olhar para os dois lados da moeda, e sim a ideia de que há um lado correto e outro errado, aliás, o que sempre o ser humano faz.

Fica a questão: correto para quem? Errado para quem?
A obra de Dostoviéski “Crime e Castigo” traz essas indagações que ao longo deste pequeno escrito tentei desenvolver. Junatr em 600 páginas a história de várias vidas, de uma sociedade para poucos e marginalizante para muitos, de um crime de “consciência limpa” e um castigo pior que a privação de liberdade (para Raskólhnikov): a destruíção de uma ideia equivocada (o assassinato justificado) e o sofrimento às pessoas que o amavam.

Referência Bibliográfica para este ensaio

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. Porto Alegre: L&PM, 2008.